Naquele dia
Naquele dia estávamos à mesa, os quatro. Era hora de almoço e as sardinhas, lembro-me, estavam em sangue. Não consegui comer. Nunca mais consegui comer. O telefone tocou e eu estremeci. Soube, antes que alguém atendesse, que te tinhas ido embora. Fiquei 14 anos sem comer sardinhas. Só como há dois, por insistência do meu marido, porque me obrigou a vencer esta repulsa que eu ganhei desde então. Agora gosto, muito, outra vez. Mas não me passa uma sardinha pelo estreito que não tenha também o gosto daquele 8 de Setembro longínquo.
Lembro-me de ter sentido uma paz grande, um alívio. Desculpa, avó, mas vistas as coisas à distância, sim, foi isso que senti. «Já está», lembro-me de pensar. Senti remorsos mais tarde. Agora não, sei que foi o melhor para ti, bastava de sofrer em silêncio. Uma batalhadora, tu! Sofreste consciente do que te esperava, mas não foste com medo. Foste em paz, de cabeça erguida, com dores, mas forte.
Estas cartas não são de sofrimento, avó. Esse já passou. São de saudade. Agora já não sofro por ti, avó. Agora sorrio, porque estás aqui. Porque sei que estás bem. Porque venci o medo que era ter medo de te esquecer - já vi que nunca, por mais tempo que passe, vou esquecer o teu cheiro, a tua voz, o teu rosto. Impossível. E para mim está bem assim, era isso que eu queria. Agora tenho a certeza. Acompanhas-me, vigias o meu caminho, iluminas a minha vida. O tempo passou e eu só sinto que falta menos tempo para te encontrar.
Naquele dia eu morri por dentro, mas plantaste em mim uma semente que não morre nunca.
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