Uma das coisas
Uma das coisas que recordo com mais emoção são as viagens que fazíamos de combóio, quando íamos contigo e com o avô para a terra. A sensação das paisagens, a cabeça fora de janela, o vento a bater nos cabelos, os cheiros, os campos verdes, as casinhas baixas por entre o "pouca terra, pouca terra", que se prolongava durante toda a viagem, que nos embalava a certeza de podermos ser o que quizéssemos na vida e chegar a todo o lado!
E a recordação mais querida, mais doce que guardo em mim é aquela de, meia hora antes de chegarmos ao destino, tirares um pequeno pente da mala e nos penteares, às duas, para chegarmos compostas à estação. As tuas meninas, foi o que fomos, avó. Segundas filhas que ajudaste a criar com tanto carinho.
Gostava de um dia proporcionar ao meu filho esta sensação que ficou em mim destas viagens que fizémos. Será possível, não será mais que um revivalismo forçado? Não sei, mas gostava. Encolhe-se-me a alma ao constatar que o combóio já não chega ao anterior destino, que já não faz alguns dos muitos apeadeiros de antes, que pára na cidade e pronto, quem quizer tem de esperar pela "automotora". Triste. Andamos de carro, agora. Atalhamos caminho, vamos a direito e não às curvas como outrora. Mas gostava que o meu filho conhecesse cada kilómetro da via férrea que antes me levava direita ao sonho, cada terriola, cada apeadeiro. O importante não é o caminho, é caminhar. O importante não é o destino, é o percurso. E hoje, tantas vezes nos esquecemos disso.
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