Projecto âncora
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Cartas à minha avó: Sonho

08 outubro, 2008

Sonho

"Sonho, um dia, ter mais um filho. Mas sonho, antes de mais, gozar este bem gozado, estragá-lo de mimo, dar-lhe colo até mais não. Amá-lo até doer.
Antes tinha a ideia do filho único, do ser primordial a quem dedicaria toda a minha vida, ao qual dedicaria todo o meu empenho. Mas a ideia de não lhe deixar família após a minha morte faz-me estremecer. Porque são os irmãos que nos acompanham mais durante mais tempo ao longo da vida, são companheiros, confidentes, ainda que sempre às turras e aos berros, aos abraços e aos beijos.
Eu e o pai somos ambos filhos segundos, e se eu antes tinha a ideia de que os filhos segundos eram as "sobras", hoje, depois de ter sido mãe, a minha visão sobre este assunto alterou-se drasticamente. O primeiro filho é o sonho, a descoberta, a novidade. O segundo é o reviver sem pressas o que vivemos da primeira vez, com mais calma, saboreando cada minuto porque já sabemos que o tempo é veloz, que daqui a pouco já eles andam e não mimámos o suficiente, não beijámos o suficiente, não demos colo suficiente. Para mim, o segundo filho será, sobretudo o fechar de um ciclo, a última oportunidade de viver as ternuras da maternidade. Porque o tempo da idade fértil não se coaduna com o tempo em que já temos condições para tal, porque ter dois filhos seguidos está fora de questão, porque a vida não está para ter muitos filhos mas especialmente porque quero ter condições de fazer dos meus filhos pessoas de bem. Se vier o segundo, então, será o último recém-nascido meu que terei nos braços e espero aproveitar o suficiente.
O que tenho bem claro na minha cabeça é que, mesmo que não seja mãe outra vez, já sou muito feliz com o meu filho, ele é mais do que eu podia esperar. " - Escrito há mais de dois anos e guardado em rascunho por um qualquer motivo que agora desconheço.
Dois anos depois mantenho firme esta ideia. Não apago uma palavra, não removo uma vírgula. Apenas acrescento uma frase, da qual desconheço a origem:

«A DECISÃO DE TER UM FILHO É MUITO SÉRIA. É DECIDIR TER, PARA SEMPRE, O CORAÇÃO FORA DO CORPO»