Projecto âncora
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Cartas à minha avó: Fecho os olhos

22 janeiro, 2007

Fecho os olhos

Fecho os olhos, reclino a cabeça, inspiro fundo e tudo lá fora parece tão distante, tão abstracto, tão fugaz. Assomo-me para dentro de mim mesma e mais uma vez aquilo que vejo não é, de todo, o que esperava encontrar. Desconheço-me, reconheço-me, estranho-me, entranho-me. Luto mano a mano comigo própria, pego-me pelos cornos, vergo-me sobre mim. Quem sou, tão estranha, tão desatenta, tão una e, ao mesmo tempo, tão dispersa? Quem é esta mulher em que me tornei? Quais os seus sonhos? - (Será que ainda sonho?). Quais os seus medos? - (Será que ainda temo?). O que a faz feliz? (Será que ainda sou capaz?).
Fecho os olhos. Uma luz violeta invade-me aos poucos, aquece-me, toca-me a alma e a paz instala-se para ficar. Sei que o meu lugar é entre dois lugares, que estou entre uma coisa e a outra, que a fronteira é o sítio onde estou a estarei sempre. Sinto-me bem entre as pessoas, mas é no silêncio que me sinto em casa, é por entre as palavras escritas que sei que sou mais eu, sei que sou aquela que sempre quiz ser.
Vêem-me à memória os cheiros, as gargalhadas da minha infância, os lugares, os rostos, os sabores. Assim, de rajada. Sei que fiquei, uma vez mais, com um pé em cada território. Sei que há coisas que não quero deixar saír de mim. Talvez daí esta minha estranha maneira de ser, aparentemente alegre, profundamente preocupada, extremamente melancólica. Talvez daí as lágrimas que teimam em caír ao observar o rápido crescimento do meu filho, ao assistir à festa da escola, ao adormecê-lo nos meus braços no escuro. Sei o efeito que a passagem do tempo tem sobre a vida das pessoas, sei a erosão que provoca, sei o desgaste que deixa. Quero capturar pequenos momentos, isolá-los em mim, cristalizá-los para sempre no meu peito e levá-los para onde for, depois de tudo. Quero catalizar emoções, não deixar palavras por dizer nem silêncios por cumprir, abraços por dar nem lágrimas por chorar. Quero ser uma alma à medida dos meus sonhos: grande por dentro e pequena por fora. Porque os sonhos que para mim valem a pena são os pequenos mas saborosos, são os banais mas cheios de significado. Sim, sei que ainda acredito, sei que ainda sonho, sei que ainda acordo demanhã com vontade de aproveitar o dia. Mesmo que o dia, no fim, não corra como esperado.
Quem sou, afinal? Não esta que está à superfície, não esta que vêem, mas a que está por dentro, a que me habita. A verdadeira.
Abro os olhos. Mais um dia de luta, mais um dia de sobrevivência, mais um dia de horas repetidas, gastas. Mais um dia igual a tantos outros, mais uma semana, um mês, um ano!
Fecho os olhos. "Ainda estás aí?".