Projecto âncora
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Cartas à minha avó: Há uma coisa

28 junho, 2006

Há uma coisa

Há uma coisa no meu filho que me delicia, que me enche a alma, que me aquece por dentro. Há muitas, mas esta, especificamente, deixa-me rendida, emocionada: é a pessoa que mais gosta de me ouvir cantar. Aliás, é a única pessoa para quem canto sem me preocupar se o faço bem ou mal. Quando está a cair de sono, birrento, irrequieto, a receita é fácil e eficaz: tomo-o nos meus braços e canto. E aí ele começa a encostar a cabeça ao meu ombro, a coçar os olhos e o nariz, a fazer-me festas na cara. Continuo a cantar, e não o faço em surdina, canto mesmo, ao ponto do meu marido me perguntar se estou a dar algum concerto. Não me importo, o meu filho gosta e eu também. Ele, que por enquanto ainda não encadeia palavras e, por isso, ainda não pode reclamar, começa a encostar a cabeça ao meu antebraço (normalmente o direito) e a pedir que o deite e que continue a cantar. Se paro abre os olhos e fixa-me longamente, como quem diz «Então?». Este momento é só nosso, e se antes era complicado adormecê-lo e, por falta de força, tinha de ser muitas vezes o pai a fazê-lo, agora não prescindo de ser eu.
Decidi não cantar só canções de embalar bebés, decidi partilhar com ele canções que gosto muito e que consiga cantar minimamente. Partilho hoje esta, que é, da actual selecção, a que funciona melhor. Não sei se pelos meus agudos se pela monotonia da letra. O que é facto é que gostamos muito de a ouvir/cantar:

Haja o que houver
eu estou aqui
haja o que houver
espero por ti
Volta no vento
Ó meu amor
Volta depressa
por favor

Há quanto tempo
já esqueci
Porque fiquei
longe de ti
Cada momento é pior
Volta no vento
por favor

Eu sei
Quem és para mim
Haja o que houver
volta para mim

(Pedro Ayres Magalhães)

E lembro-me então, avó, do quanto gostavas de cantar e que bem que o fazias. E encho-me de luz cada vez que canto, porque o faço para o meu filho mas sempre a pensar em ti.