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Cartas à minha avó: Desenganem-se

22 janeiro, 2007

Desenganem-se

Desenganem-se: para cada pé não há só um sapato. Podemos calçar sapatos de salto, de cunha, botas, ténis ou até mesmo chinelos.
Aquela ideia de que para cada pessoa só existe uma alma gémea é, para mim, completamente errada. Primeiro porque não acredito em almas gémeas, depois porque cada um dança conforme a música que lhe dão e depois porque a máxima universal que diz que os opostos se atraem não funciona só na química.
Já conheci algumas pessoas, já fui de uma maneira com uma, de outra maneira com outra, e digo-vos sinceramente que tinha as mesmas hipóteses de ser feliz ou infeliz com qualquer uma delas. É claro que gostei mais de uns do que de outros, uns eram mais cavalheiros, outros nem por isso, uns gostavam de mim pelo que era, outros nem tanto. O que quero dizer é que, dependendo daquilo que se quer na altura, existem francas hipóteses de encontrarmos várias peças que encaixem no nosso puzle.
Gosto estupidamente da pessoa com quem estou agora, com quem estou há nove anos para cá, que ajudou a concretizar o meu projecto mais arrojado, daqueles que tem perninhas e bracinhos e diz mamã e papá. Digo estupidamente porque, em dias nebulosos e de pré-desespero, pareço não encontrar razões que justifiquem tal sentimento, logo só pode ser estupidamente porque sou estúpida... Nesses dias por vezes imagino como gostava de ter ao meu lado um homem que gostasse das mesmas músicas que eu, que gostasse de ler um bom livro, que apreciasse um pouco mais o lado sensível das coisas. Começo a imaginar-me calçada com outro tipo de sapato, mais maleável, mais confortável, por vezes, menos pesado. E nesses instantes em que a imaginação toma conta de mim tenho a certeza de que era capaz de usar outro tipo de calçado. Não sou fatalista ao ponto de pensar que eu nasci para estar ao lado desta ou daquela pessoa. Nasci para estar ao lado de quem eu quizer e bem entender e se me apetecer até sozinha, porque não?
A única certeza que tenho é que, por mais que haja dias em que me apeteça descalçar-me, os sapatos que eu escolhi para mim ficam-me bem. Passam por calçadas, saltam poças de chuva, caminham sobre buracos. Uns dias aleijam-me, outros não. Uns dias são quentinhos, outros frios e desconfortáveis. Mas eu continuo, olhando para baixo e admirando os meus pés.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabéns pela forma tão bonita como escreve. Entendo tão bem quando fala dos sapatos que usa, sinto o mesmo em relação aos meus. Há dias em que me magoam, outros em que os sinto tão diferentes daquilo com que me identifico, mas no fim olho para eles e não me vejo com outros. Um beijinho.

3:05 da tarde  

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