Projecto âncora
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Cartas à minha avó: Quantas vezes

21 julho, 2006

Quantas vezes

Quantas vezes, na lufa-lufa dos dias, passamos apressados uns pelos outros, ignoramo-nos, tocamo-nos, entrecruzamo-nos, empurrados pela pressa de chegar, a pressa de partir, a pressa de ter pressa para tudo. Quantas vezes um ombro se encosta ao nosso, uma mão nos toca, timidamente, no turbilhão dos transportes públicos, a respiração de alguém sussurra aos nossos ouvidos...
Andamos, mecanicamente, encadeadamente, qual linha de montagem da vida em que agora esquerda, agora direita, em frente. Olhamos-nos nos olhos e não nos vemos, tocamo-nos e não nos sentimos, empurramo-nos e continuamos dormentes. É preciso chegar depressa, é preciso partir depressa. E nunca ficamos. Nunca temos tempo para reter o olhar nos pormenores, para descobrir os pequenos tesouros que desfilam todos os dias à nossa frente.
Há um dia que algo nos falha e somos obrigados a parar, andar mais lentamente que o habitual, fazer o percurso quotidiano a outro ritmo. E aí levamos um sôco no estômago. Vemos que, como nós, a vida passa e também não se retém nos pequenos nadas que nos falham. Passa-nos ao lado, como nós passamos ao lado de tanta gente dia após dia. E não nos pergunta quem somos, o que fazemos, o que buscamos. Passa. Só.
Nunca sabemos quem se realmente se esconde nos outros. O que está por trás da máscara que todos usamos, que nos prende as expressões do rosto, que aprisiona quem realmente somos quando ligamos o modo automático e vamos, em manada, a correr para os transportes, para o trabalho, para casa.
Um pouco mais de atenção. Um pouco mais de tempo. Um pouco mais de vontade. Seríamos todos seres-humanos muito mais sensatos.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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Anonymous Anónimo said...

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