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Cartas à minha avó: Nunca

14 julho, 2006

Nunca

Nunca fui ao cemitério à tua procura. Não fui ao teu funeral, os meus pais acharam que era muito pesado para das crianças como nós. Nunca questionei essa decisão. Fizeram o que acharam melhor, mas custou-me mais a mentalizar-me que já cá não estavas, que fisicamente já não ocupavas o teu espaço neste mundo para além da campa onde te enterraram.
Nunca te levei flores. Perdoas-me? Puz-te flores todos os dias, em pensamento, no coração, mas nunca fui ter contigo ao cemitério. Algum tempo depois entendi que já lá não estavas, que estavas em todo o lado, nas grandes coisas e, sobretudo, nas pequenas. No vento que sibila pelos campos, nos pássaros que cantam todas as manhãs, nas flores selvagens que nascem nos lugares mais inóspitos.
Com a consciência que hoje tenho, acredito que ter-me-ia feito bem ter-te visitado. Tocar a terra que tocaste pela última vez, levar-te um raminho de malmequeres, ler para ti um dos salmos de que tanto gostavas. Hoje não tenho onde me dirigir. Não tenho espaço físico para plantar todas as flores que tenho para te oferecer, não tenho campa raza sobre a qual rezar. Tenho apenas o espaço da minha alma para te albergar e o meu coração para te dedicar.
Cantaram muito no teu funeral, avó, ouviste? Como eu gostava de ter ouvido. Como eu gostava de ter cantado. Deves ter ficado feliz. Vestiram-te a tua blusa amarela preferida, deram-te banho com um amor tão grande como só uma amiga e uma filha poderiam ter feito. Morreste na casa onde passaste quase toda a tua vida.
Tinhas sonhado nas noites anteriores que chegavas a uma casa branca, cheia de luz, onde as pessoas se vestiam todas de cores claras e sorriam muito para ti. Estavas preparada para partir, foste em paz.
Nunca fui ao cemitério procurar ninguém. Dou por mim a querer levar flores a tu sabes quem. Dou por mim a chorar e a sofrer quase como por ti. Dou por ela a chamar-me ao seu encontro. Tenho de lá ir deixar-lhe flores, acender uma vela, cantar um pouco. Contudo, não quero ser uma intrusa.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Querida Catarina, a beleza da tua escrita emociona-me. Tens um dom. Simples, melódica e cheia de coração. Se a intrusão de que falas era a respeito da Laurinha, então, perdoa-me, és uma tola. Não vês que abri as portas do meu coração a todos e SÓ recebi carinho, apoio, amor e milhentos ombros e mãos onde me debruço para chorar, cada vez que despenco no abismo? Se vieres para estes lados, com ou sem flores, procura-me, porque seria uma honra abraçar-te. Se quiseres conversar no MSN, estou em mfcf2006@hotmail.com.
Beijo.
Fátima (Mamãããã!!!)

4:42 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gostava tanto de ir contigo, mas moro tao longe! Quando lá fores leva-lhe uma flor por mim.
Beijo
Sonia

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