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Cartas à minha avó: Escrever, para quê?

13 julho, 2006

Escrever, para quê?

Escrever, para quê?
Neste tempo que estive despovoada de letras, em que as minhas mãos ao invés de comandarem lápis e canetas se entretiveram com fraldas e biberões, muitas vezes pensei que a escrita me tinha abandonado, que me tinha virado as costas, que se tinha esquecido de mim. Não consegui ligar esse facto ao ter sido mãe. Afinal, o que há de mais bonito, de superior ao ser mãe? À excepção de conseguirmos amar os filhos dos outros como se fossem nossos, não há nada mais grandioso do que ser mãe de alguém. Diante toda esta beleza, diante de todo este deslumbramento fiquei muda. As palavras existiam, habitavam em mim ainda que dormentes, mas teimavam em não sair. Tentei escrever noutro registo, tentei manter um babyblog, mas aquela não era eu e, sinceramente, acho que o meu filho vai gostar mais de conhecer a pessoa que a mãe realmente foi do que a data em que nasceu o primeiro dente. Mas sei as datas todas, just in case.
Andei muda, mas não cega. Continuei a ler os meus blogues de eleição, a maior parte dos quais babyblogs (adoro lê-los, mas não consigo ser eu a fazê-lo, soa-me a falso), a maior parte deles com o registo dos grandes progressos dos bebés que eu "lia" ainda estavam na barriga da mãe. Mas foi um, especialmente um, que me fez acordar desta dormência. Foi o sofrimento de uma família que me "desengasgou" as palavras, que fez com que as cuspisse cá para fora, que fez com que achasse importante (sobretudo para mim) escrever o que me vai na alma sem querer saber o que é que X ou Y pensam disso. Foi a dor daquela mãe e os olhos daquela filha que me bateram como se me tivessem dado uma tareia, que me desinquietaram, que me fizeram acreditar que a vida é tão breve que deve ser levada da melhor maneira possível. E o melhor, para mim, não é fugir dos medos. É enfrentá-los de peito erguido, para o que der e vier. Ainda que o medo me roa por dentro, há que avançar, sempre.
Retomei o meu caminho, reencontrei a minha verdade. Esta sou eu, toda letras, toda sentimentos, sentidos, intuições. Reencontrei-me e tenho uma dádiva para com essas duas mulheres. Uma grande mulher e outra uma menina, um anjo cheio de luz, uma alma tão grande que não cabia neste mundo. Perante a vossa dor as palavras foram-se soltando, desprendendo de mim, ocupando os antigos espaços. É o meu submundo a vir ao de cima, mais uma vez. E dou por mim a amar o próximo, como tu dizias, avó. Agora sei o que é. Estendo a minha mão na esperança de que um dia possa servir de algum apoio.
Queria, de alguma forma, agradecer. Queria, de alguma maneira, retribuir. E penso «escrever para quê?». Para te fazer uma vénia, curvada sobre a minha pequenez, perante a grandeza da tua alma.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Aqui estou! e vou continuar. "Conheci-te" por meio desses 2 anjos que falas e a sabes as coisas dos blogs é viciante, andamos de uns para os outros e de vez em quando deparamos com blogs que nos tocam de alguma forma... foi o que aconteceu com o teu e o da Fatima. Pessoas que eu nunca vi, que fisicamente estao longe de min, mas espiritualmente tao perto!
A dor da fatima fez-nos a todas repensar o sentido da vida, porque cá estamos, que sentido dar-lhe...
Continua a escrever Catarina, que cá estou para te ler.
Um beijo grande
Sónia. S.

3:46 da tarde  

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