Projecto âncora
âncora
Cartas à minha avó

02 dezembro, 2008

Ausência

Ausência. Dormência. Distanciamento. De tudo menos de mim própria. Este ano que passou foi só um dos mais (se não o mais) complicados da minha vida. Sei que mais se seguirão, com um grau diferente, com dificuldades em diferentes esferas, sei que à medida que a vida for correndo e os anos passando este ano me parecerá, à distância, "piece of cake". Por agora, parece que estamos a saír lentamente do túnel por onde temos andado. Eu, pessoalmente, posso estar à beira de entrar noutro túnel sombrio a nível laboral, antevejo as fundações do meu trabalho abanadas com violência, mas quem sabe para se tornarem mais sólidas. Preparava-me para respirar fundo e relaxar um pouco, mas pelos vistos não é o momento porque a "luta" continua e ainda não posso parar para contemplar a paisagem. Finalmente quando a balança se começava a equilibrar eis que surge a ameaça de um prato vazio. Mas no meu íntimo penso positivo e acredito que depois da tempestade vem a bonança e que ela deve estar algures guardada para mim, basta acreditar.
Ausência. Dormência. Distanciamento. Tenho andado por dentro de mim própria, no meu submundo, tenho falado comigo mesma, caminhado sozinha por entre angústias e incertezas para não desequilibrar os que me rodeiam. Emudeci para não me queixar, para não lamentar, para não preocupar ninguém. As coisas aos poucos vão-se compondo. Isto de que falo é o que tantos de nós sofrem na pele: a crise, pura e dura. A incerteza laboral neste Portugal dos Pequeninos, os ordenados ridículos que auferem a maior parte dos trabalhadores, os contratos precários, os aumentos das contas astronómicas que já temos de pagar, os horários ridículos das escolas públicas (que foram feitas para quem não trabalha ir buscar os meninos às 15 horas), o folhado que se come à pressa para poupar no subsídio de alimentação. Isto de que vos falo é o desalento de quem trabalha e não percebe muito bem porquê: corremos de casa para o trabalho, do trabalho para casa e depois não temos tempo nem dinheiro para gozar a casa, a família e muitos de nós nem para ter uma alimentação condigna. Isto de que vos falo é de PORTUGAL, infelizmente. Mais do que lamentar e praguejar, quero acreditar muito na máxima que me move sempre que se apresenta ante mim uma dificuldade: ISTO ESTÁ TÃO MAU QUE SÓ PODE MELHORAR!
Acredito que, aos poucos, estou a saír do casulo novamente.

08 outubro, 2008

Sonho

"Sonho, um dia, ter mais um filho. Mas sonho, antes de mais, gozar este bem gozado, estragá-lo de mimo, dar-lhe colo até mais não. Amá-lo até doer.
Antes tinha a ideia do filho único, do ser primordial a quem dedicaria toda a minha vida, ao qual dedicaria todo o meu empenho. Mas a ideia de não lhe deixar família após a minha morte faz-me estremecer. Porque são os irmãos que nos acompanham mais durante mais tempo ao longo da vida, são companheiros, confidentes, ainda que sempre às turras e aos berros, aos abraços e aos beijos.
Eu e o pai somos ambos filhos segundos, e se eu antes tinha a ideia de que os filhos segundos eram as "sobras", hoje, depois de ter sido mãe, a minha visão sobre este assunto alterou-se drasticamente. O primeiro filho é o sonho, a descoberta, a novidade. O segundo é o reviver sem pressas o que vivemos da primeira vez, com mais calma, saboreando cada minuto porque já sabemos que o tempo é veloz, que daqui a pouco já eles andam e não mimámos o suficiente, não beijámos o suficiente, não demos colo suficiente. Para mim, o segundo filho será, sobretudo o fechar de um ciclo, a última oportunidade de viver as ternuras da maternidade. Porque o tempo da idade fértil não se coaduna com o tempo em que já temos condições para tal, porque ter dois filhos seguidos está fora de questão, porque a vida não está para ter muitos filhos mas especialmente porque quero ter condições de fazer dos meus filhos pessoas de bem. Se vier o segundo, então, será o último recém-nascido meu que terei nos braços e espero aproveitar o suficiente.
O que tenho bem claro na minha cabeça é que, mesmo que não seja mãe outra vez, já sou muito feliz com o meu filho, ele é mais do que eu podia esperar. " - Escrito há mais de dois anos e guardado em rascunho por um qualquer motivo que agora desconheço.
Dois anos depois mantenho firme esta ideia. Não apago uma palavra, não removo uma vírgula. Apenas acrescento uma frase, da qual desconheço a origem:

«A DECISÃO DE TER UM FILHO É MUITO SÉRIA. É DECIDIR TER, PARA SEMPRE, O CORAÇÃO FORA DO CORPO»

18 dezembro, 2007

Doce de abóbora com nozes e chá de canela

Naquele dia tínhamos combinado que ia a tua casa com o meu pequeno. Eu não sabia o caminho, deste-me as coordenadas e lá fui eu na minha casquinha de noz enferrujada. Inesperada a fila de 45 minutos na A5. Inesperada a chuva torrencial que caía a cântaros a meio de Agosto e o vento forte que de início me assustou. Inesperada a névoa no meu pára-brisas que me impedia de ver bem o caminho. Inesperado o atraso e os nervos, que eu gosto de ser pontual e não me fazer esperar.
Lá me foram buscar no sítio combinado. Saí do carro em torvelinho, despenteada e mesmo cansada, mas satisfeita por cumprir o prometido há já tanto tempo. Ansiosa por vos ver, às duas meninas da casa, de estar contigo, falar, de sorver um pouco dessa força que sempre me transmites quando estamos juntas (mesmo às vezes sem ser fisicamente). Tinha prometido a ti e a mim que ia, não estabeleci datas, mas sabia que tinha de ir. Finalmente, cheguei. E o tempo que estive com vocês pareceu-me passar tão rápido que por mim tinha ficado horas infindáveis à conversa sem preocupação de voltar para casa. O meu filho a brincar deliciado com o teu, que dotado de uma paciência de irmão mais velho, lhe explicava como funcionavam os brinquedos. O entusiasmo do meu, que só dizia «Olha mamã, esta casa de banho tem peixinhos!». Senti-me bem no vosso espaço. Senti-me muito bem na vossa companhia. E aquela tarde invernosa de Agosto soube-me a doce de abóbora com nozes e chá de canela - quente, adocicada e com um toque de especiarias.
Confesso, fui-me embora a contra-gosto qual criança obrigada a ir para a cama a meio da brincadeira. Custou-me o regresso, mas ao mesmo tempo parti a sorrir, ansiosa pelo nosso próximo encontro.

15 outubro, 2007

Reconheci o teu rosto

Reconheci o teu rosto naquela expressão de dignidade apesar de já se saber que os passos a levavam para o abismo. Reconheci o teu rosto naqueles olhos expressivos e naquela boca sumida que pedia com todas as letras "Deixem-me partir". Nos traços despojados de volume, nos pulsos finos, no pescoço anguloso de quem, inacreditavelmente, já teve outra expressão. Nas mãos, magras, finas, transparentes, adornadas de veias salientes e sinuosas. Reconheci o teu rosto. Estavas por todo o lado, estavas ali, no ecrã, e senti-te tão perto que o meu peito disparou e os meus olhos não contiveram a emoção ali mesmo, à frente de outras pessoas. Reconheci-te naquela expressão de morte lenta que não consigo apagar de mim por mil anos que viva, naquele compasso em que se está apenas à espera que o tempo passe, tic-tac, tic-tac, tic-tac... E o silêncio invade os espaços, transborda, envolve tudo à nossa volta. Dilacera.


Reconheci o teu rosto no rosto da Rita Ressano Garcia, que faleceu há três meses mas que colaborou num documentário da Alexandra Borges, (espero não me ter enganado), em que dizia que já sabia que ia morrer e apenas pedia cuidados paliativos. Que havia dias que acordava a ganir, que não se sentia humana, que, a partir, que partisse bem, com o mínimo sofrimento possível. Que lhe fazia falta aquele abraço e não mais sessões de quimioterapia que já sabia não lhe prometerem a cura, apenas mais desgaste físico, apenas mais desgaste psicológico, apenas mais sofrimento. Não consegui ver mais, as lágrimas toldaram-me os olhos e os movimentos bruscos da minha cara começaram a fazer-me doer os lábios e os maxilares. De repente veio-me tudo à memória, a tua recaída no dia da mãe, a tua resignação, o facto de te terem um dia lido a sina e te terem dito que morrerias aos 62 anos. Não sabia disso. Quando soube percebi o facto de não estares revoltada. Criança de 12 anos que era não tive acesso a todos os pormenores. Sei que a doença na altura era tabu, que havia pessoas que achavam que era contagiosa, que sofreste algum tipo de discriminação mesmo dentro da família. E pergunto-me incessantemente o quanto sofreste, o quanto, quiçá, ganiste e o pouco humana que te fizeram sentir nas quatro paredes de um qualquer quarto de hospital. Mandaram-te para casa para morreres junto dos que mais amavas. Assim foi. Pelo menos no último momento tiveste a dignidade que mereceste. E a paz.
Hoje, com quase 30 anos, apercebo-me e questiono coisas que, na altura, não me passavam pela cabeça. E fica uma promessa para cumprir quando tiver mais disponibilidade de tempo. Se a vida assim me permitir. A promessa do voluntariado. Ajudar quem precisa. Quando tiver tempo, quando tiver estofo. Quando tiver forças.

02 outubro, 2007

Não sou fã de rugby

Não sou fã de rugby. Na realidade não percebo patavina deste desporto de contacto. Sei que é para gente destemida, que transpõe obstáculos, que não se amedronta com o adversário.
Não sou fã. Mas fez-me vibrar mais a interpretação d'A Portuguesa que os LOBOS fizeram do que qualquer outra coisa nos últimos tempos. Assim, cantar por um país que não lhe paga para o representar (no qual a licença sem vencimento e o auto-patrocíno se tornam as opções viáveis). Cantar por um país nada promissor, nada risonho, nada feliz. Assim, cantar com a alma toda por um país que não nos augura nada de bom e que tem sido ultimamente um paraíso cinzento e triste. E ponho-me a pensar se não é isto que faz falta. Não é o país. São as pessoas, as convicções, os sonhos, a capacidade de acreditar e ir à luta.
Faço uma vénia, rendida de comoção e de orgulho: obrigado pelo exemplo, obrigado pelo alento, obrigado pelo sonho. E anseio que esta se torne uma pátria cada vez mais de lobos e menos de raposas...

21 agosto, 2007

Em toda a parte

a distância é um fogo
onde vou chegar
num abraço fechado
para te levar
por campos abertos
por onde puder
levar-te por dentro
para não te perder
nem com mil tormentas
que arrasem o mundo

em qualquer lado
onde quer que eu vá
levo no corpo o desejo
de te abraçar
em toda a parte
onde quer que o sonho me leve
hei-de lembrar-me de ti

por outros caminhos
hei-de vaguear
num abraço fechado
para te levar
e há uma canção
que um dia aprendi
eu hei-de cantá-la
a pensar em ti

em qualquer lado
onde quer que eu vá
levo no corpo o desejo
de te abraçar
em toda a parte
onde quer que o sonho me leve
hei-de lembrar-me de ti

Mafalda Veiga


P.S.- Porque hoje a dor da ausência se tornou mais forte, não consigo deixar palavras próprias. Sirvo-me destas para exprimir o que vai por aqui hoje. Mana, este ano não te abracei o que queria. Sente-te abraçada por dentro. A semana passou a voar. Agora vou estar mais um ano agarrada a esta saudade.

08 agosto, 2007

No turbilhão

No turbilhão que tem sido a minha vida no último mês e meio, ainda me aparecem pérolas que me fazem rir a bandeiras despregadas...
"Mamã, olha a minha palinha, está gande!"
Tenho mesmo um filho precoce... Para além de falar quase correctamente e só usar fralda para dormir, ainda descobriu os prazeres do sexo em frente à televisão a ver o Noddy! Consegui não mostrar a vontade que tinha de rir, não repreendi, só lhe disse para não o fazer em frente a outras pessoas (não sei se percebeu...). Mas o mais giro disto tudo é que, quanto mais tentava manter o bicho dentro das cuecas mais elas levantavam... E eu, que pasmo comigo mesma porque não consigo ver este assunto sem ser desta forma, "tão natural como a sua sede"...
Dei por mim, finalmente, a dar a mão à palmatória: há coisas que são genéticas e já percebi que, desde cedo, a atenção dos meninos diverge muito da das meninas... Ai, filho, que ainda só tens dois anos!