Projecto âncora
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Cartas à minha avó: Ultimamente

11 maio, 2007

Ultimamente

Ultimamente sinto-me invadida por um desalento, com os olhos bem abertos, com os sentidos bem dispertos, lúcida, sóbria, desenganada. E o que vislumbro não é, de todo, o que pensei algum dia encontrar: vejo-me sozinha, acompanhada na carne, desacompanhada na alma e no coração.

Se, por um lado, cá dentro algo me diz que é um compasso de espera, a cabeça manda-me seguir meu caminho pelos meus próprios pés. Quem quizer que me acompanhe ou fica para trás. E sinto-me tentada, todos os dias, a fazê-lo. A voz do meu filho fala mais alto e uma réstia de qualquer coisa que, em tempos, me fez feliz ainda ecoa, ao longe. Não sei bem o que é. Já não me lembro há quanto tempo não sou feliz, assim, com as letras todas, e em todas as instâncias do meu ser. Feliz, por inteiro. Não apenas feliz como mãe. Isso sou-o todos os dias desde que o meu filho nasceu.
Já não me lembro sequer de como era quando era feliz. Será que alguma vez o fui? Sinto-me como um barco perdido no nevoeiro, sem saber muito bem por onde ir, para onde avançar. O farol que me iluminava foi-se extinguindo, ao longe, e preciso encontrar uma luz dentro de mim que me guie e que me leve a porto seguro.